Na parede
da sala tinha um buraco. De queimado. A casa era de tábuas. Antigamente a sala
era na cozinha e a cozinha era na sala. O pai e a mãe resolveram mudar. A
cozinha ficava antes da sala, então
quando chegava uma visita tinha que dar a volta na casa pra entrar. Ou entrava
pela cozinha mesmo. Mas eles achavam desagradável receber a visita na cozinha.
Foi bom. Antes o fogão era de taipa e depois o pai comprou um fogão novo, na
ocasião da mudança. Era fogão de lenha mesmo. Ele era de metal com uma chapa
grande de ferro em cima. Se chamava ‘fogão econômico’. (Não sei o que ele
economizava.)
O pai
comprou uma cama de armar para o Jairo. De dia ela ficava dobrada ao meio,
encostada no canto. Ela era de metal e molas. O colchão era de palha. Um saco
feito de mata-borrão (ou carne-seca) cheio de palha de milho desfiada ou
rasgada, como se dizia. Não tinha lugar nos quartos para armar a cama do Jairo.
Ele armava a cama na sala e a cabeceira ficava bem embaixo do buraco, deixado
ali pelo antigo fogão.
Tinha um
menino, nosso vizinho, que passava em casa de manhã para irmos juntos à escola.
Ele chegava tão cedo. Quando o Jairo ainda estava dormindo, na cama, embaixo do
buraco. Ele enfiava o braço para acordá-lo. O buraco era meio grande, mas o
menino também era bem pequeno. Raquítico mesmo. Muito sofrido.
Ele não
foi nosso vizinho por muito tempo. Foi embora pra outro bairro, outra escola.
Algum
tempo depois ficamos sabendo que ele havia falecido. A causa da morte foi
pneumonia. Porém, ouvimos relatos de uma história triste. Garotos maiores e
mais fortes que ele o derrubaram numa vala na beira da estrada, no caminho da
escola e pularam em cima dele. Esse teria sido o princípio de sua doença.
A notícia
nos impactou muito. Fizemos muita fantasia em nossa mente infantil. A face
assustadora da morte. Ficamos todos assombrados. E a partir desse dia o Jairo
não quis mais dormir na sala. Tinha a impressão de que o menino ia colocar o
braço no buraco a qualquer momento.